5 de novembro de 2010

Vitória ! E agora ?


Brasil de Fato. Editorial 03/11/2010

Não há motivos para duvidar que a mulher que derrotou o tucano José Serra não medirá esforços para dar continuidade à política econômica do atual governo


O que os movimentos sociais podem esperar do governo de Dilma Rousseff, que inicia em janeiro de 2011? Nada além daquilo que foi o próprio mote da sua campanha eleitoral: a continuidade do governo Lula. Não há motivos para duvidar que a mulher que derrotou o tucano José Serra nestas eleições não medirá esforços para dar continuidade à política econômica do atual governo, tentando promover crescimento econômico com distribuição de renda. Até onde isso será possível, sem atingir os interesses das grandes fortunas, que também foram beneficiadas por essa política econômica, e sem promover as reformas estruturais na economia e na política, essenciais para impulsionar a distribuição da riqueza e consolidar uma democracia em nosso país? Ir além das políticas assistenciais, um imperativo neste momento, significará confrontar os interesses dos que monopolizam a renda e a riqueza brasileira.

A presidenta eleita assegurou, durante a campanha, que a reserva petrolífera do pré-sal pertence ao povo brasileiro e a riqueza gerada será utilizada para erradicar a miséria e em investimentos nas áreas sociais da saúde, educação e saneamento básico. Enganam-se os que pensam que as transnacionais do petróleo e o capital internacional irão respeitar os 56 milhões de brasileiras e brasileiros que votaram a favor dessa proposta política. A rapinagem internacional encontrará em setores da elite brasileira, tão bem explicitada em torno da candidatura do tucano derrotado, o apoio necessário para tentar apoderar-se de mais essa riqueza natural brasileira. Não faltarão experts em economia, jornalistas, comentaristas políticos, parlamentares e lideranças partidárias defendendo, sempre com a empáfia do conhecimento das elites, que o país não tem condições nem capacidade para gerenciar o pré-sal. Melhor será, de acordo com o aprendizado de 500 anos dessa elite nacional entreguista, deixar que os grandes grupos econômicos internacionais o explorem. A presidenta Dilma Rousseff, cumprindo sua promessa eleitoral, terá uma oportunidade histórica para derrotar esses setores entreguistas das nossas riquezas e assegurar ao povo brasileiro o pagamento de uma dívida social que perdura há cinco séculos.

Dificilmente a candidatura de José Serra teria o êxito de disputar o segundo turno eleitoral se não fosse o desavergonhado e imoral suporte que recebeu dos grandes grupos de comunicação. Estes tornaram-se o grande partido político de oposição ao governo Lula. Aproveitaram-se do período eleitoral para fazer uma verdadeira luta de classes em defesa de suas bandeiras políticas mais conservadoras e direitistas. Não hesitaram em adotar candidaturas que se dispunham a fazer coro aos ataques ao governo e à sua candidata, em troca de alguns minutos de exposição nos noticiários.

Já não é mais possível pensar no fortalecimento da democracia sem mexer no oligopólio das comunicações em nosso país. É bem-vindo o Plano Nacional de Banda Larga, um serviço público que democratizará a informação através da internet. E, felizmente, alguns Estados já estão discutindo uma legislação própria que assegure um controle social sobre os meios de comunicação, como estabelece a Constituição Federal de 1988. Mas é preciso enfrentar os grupos empresariais do setor, seis ou sete famílias, que monopolizam a produção e a divulgação das informações.

Não se trata de censurar a imprensa. Mas, sim, de assegurar ao povo brasileiro o direito de se informar e se comunicar. Direito que está acima dos interesses particulares dos proprietários dos meios de comunicação. Este poderio, não enfrentado pelo governo Lula, precisa ser confrontado com as vozes vindas da Conferência Nacional de Comunicação e com uma legislação apropriada e atualizada, que atenda os interesses da sociedade brasileira.

As trapalhadas do Poder Judiciário, durante o processo eleitoral, apenas atestam a necessidade de promover mudanças nessa esfera do poder político. O Brasil deve ser um dos únicos países onde o título de eleitor não é documento suficiente para o cidadão votar. Por indefinição do Supremo Tribunal Federal (STF), milhares de eleitores votaram em candidatos que não sabiam se estavam aptos ou não a receber esses votos, por estarem incluídos no projeto de lei “ficha suja”. Votaram e tiveram seus votos anulados por decisão do Judiciário. Ver um dos ministros do STF, Gilmar Mendes, receber um telefonema de José Serra durante a votação da corte, para interferir nessa decisão, foi o ápice dessas trapalhadas. Reformular a estrutura do Judiciário, limitar os mandatos nas cortes judiciais, democratizar o mecanismo de escolha de seus membros, criar e fortalecer instrumentos de controle da sociedade sobre o Judiciário, são algumas bandeiras que fazem parte da agenda política do país neste momento.

São estes alguns dos desafios que o novo governo, liderado por uma mulher – pela primeira vez na nossa história republicana – terá que enfrentar. Os interesses contrários serão fortíssimos. As forças reacionárias e de extrema direita, que hibernavam desde o fi m da ditadura militar, reapareceram com vigor na disputa eleitoral deste ano. Mostraram que não há limites éticos e legais para se fazer ouvir. As baixarias da campanha, onde o tucano Serra foi um desmiolado porta-voz, mostrou a força desse segmento social e do que são capazes.

Enfrentar esses desafios exigirá da presidenta clareza política e muita força de vontade. O respaldo vindo das urnas, infelizmente, será insuficiente para se contrapor aos interesses do capital, à elite entreguista e às forças direitistas. A base parlamentar, na sua maioria, é mais suscetível aos interesses particulares do que ao programa vitorioso nas eleições. Alguns membros do próprio partido da candidata eleita, e próximos a ela, dão a impressão de que estariam mais à vontade nas fileiras tucanas do que defendendo suas propostas governamentais em defesa dos mais pobres.

Assim como foi determinante no segundo turno das eleições, os movimentos sociais, sindicais e estudantis, as pastorais sociais, os comunicadores progressistas que ocuparam um importante espaço na internet precisam ir às ruas durante estes próximos quatro anos. Somente a mobilização popular, preservando sua autonomia frente ao governo, será capaz de assegurar novas conquistas e frear as forças direitistas que afloraram desse processo eleitoral

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